terça-feira, 22 de setembro de 2009
Umas e outras vezes
Pobre criatura nervosa, tinha muita necessidade de falar.
Havia sempre uma causa externa, um inimigo, que perturbava aquela paz.
Umas vezes era porque não tinha emprego.
Outras vezes era porque tinha.
Umas vezes eram as resoluções do ministro.
Outras vezes era o sonso do colega da informática.
Umas vezes era a chefe que não sabia mandar.
Outras vezes era uma história da novela.
Umas vezes eram os subordinados insolentes.
Outras vezes eram os subordinados nabos.
Umas vezes era a história da desgraçadinha num best-seller do momento.
Outras vezes era um episódio com a família.
Umas vezes eram as aulas.
Outras vezes era a coordenadora.
Umas vezes era o passado.
Outras vezes era o passado de novo.
Umas vezes era disto.
Outras vezes era daquilo.
E, tratando de obter sempre sempre sempre uma causa externa justificava falar horas a fio sobre o mesmo assunto, requentando os temas uma e outra vez para não se calar. Tudo valia para não beliscar o que realmente incomodava.
É assim que, ironicamente, se consegue construir um muro de silêncio em torno de alguém. Falando, falndo, falando num contínuo.
(Imagem: O Grito, de Edvard Munch).
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18 comentários:
Acho que todo mundo conhece alguém assim. rs. Ou melhor, acho que todo mundo já teve um chilique e foi assim uma vez na vida. =)
@Erika Freitas:
Quem sabe? =)
R.
Concordo coma Erika! Até me vi no texto! :)
beijinhos
@A Senhora:
Lendo os dois últimos parágrafos eu só posso discordar. :)
R.
Estou ficando muito boa nisso! Yeah! :))
@A Senhora:
Começo a desconfiar que o meu texto está tão mal escrito que não dá para perceber o âmbito... :(
R.
Pois... Eu percebo... E tens razão. A sorte é que os muros têm sempre portas ou buracos ou brechas por onde podemos escapar. :)
Queixar-se demais ou é mania ou é doença... e acaba sempre por afastar os outros!
@mf:
Ah!, minha cara... Portas, buracos, brechas? Este muro precisou de dinamite... :)
R.
E dinamite teve... ;)
@mfc:
Para o caso era estratégia. E aí, talvez aí, entre a doença.
R.
@mf:
Teve, minha amiga, pois teve. Agora há que remover escombros e reedificar. Obrigado pela tua mão de vez em quando. :)
R.
adorei a associação da imagem ao texto. é mesmo o que apetece fazer: gritar
bj
@Sininho:
É sim. É um quadro muito bem conseguido. Transmite tudo aquilo que pretende transmitir.
R.
Falando muito, mas sem dizer...
É assim.
Às vezes acontece-me.
@Marina:
Bem vinda por cá.
Pode acontecer, mas nem sempre nem nunca, verdade? :)
R.
Falando num contínuo ou num continuum? penso que te referes mesmo a continuo (sdeve ser segurança, agora ou qualquier coisa; numa escola chama-se auxiliar de acçao educativa).
O facto é que é verdade e está muito engraçada a forma como expões o caso. "É assim que, ironicamente, se consegue construir um muro de silêncio em torno de alguém". Mas já viste que esse alguém pode estar a construir outro muro com tanta historia? nao de silencio, mas de defesa de uma vida eventualmente atribulada ou muito pobre?
aquele abraço
@Daniel:
Utilizei "contínuo" com o significado de algo que não cessa ou coisa sem interrupção, sem descontinuidades. Pode parecer estranho utilizar "contínuo" como um substantivo sem ser no sentido que apontas, mas é corrente nalgumas áreas científicas. Em livros escritos em inglês é vulgar a utilização da forma latina "continuum". Em português traduzem o termo para "contínuo". Se há aqui um abuso de linguagem e uma má tradução, isso já não sei. Admito que é provável, mas não sou linguísta para opinar mais do que isto.
Quanto ao segundo parágrafo, sem dúvida mais marcante que um reparo ao português, concordo que é uma óptica possível, mas não aquela que se pretende imprimir. Pelo contrário, ao invés de construir um muro, pretende-se mesmo destruí-lo, derrubá-lo. Verbalizar para romper, primeiro por palavras escritas, um dia espero que faladas. Catarse.
Abraço sincero,
R.
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