terça-feira, 29 de junho de 2010

O meu vizinho


Da janela do meu quarto avista-se um terreno de cultivo. Não é um latifúndio, não é um grande terreno. Terá, talvez, uns quarenta metros por setenta. "É um pequeno terreno", dirão, e eu estaria tentado a concordar, não se desse o caso desse terreno ser cuidado por uma pessoa só. O grande e o pequeno têm destas coisas, movimentam-se ao sabor das escalas, e pela bitola do esforço de um homem esse terreno me parece bem grande.

Todos os anos assisto, da janela do meu quarto, à passagem das estações pelo calendário corporizado naquele terreno. O lavrar da terra, o preparar das sementeiras, o cultivo de dois grandes talhões de milho e um de batatas (que vão rodando), as canas amarradas em pirâmide por onde trepa o feijão verde, a apanha, a debulha e seca do milho, tudo isto marca o passar de mais um ano.

De tudo isto o meu vizinho trata. É ainda manhã cedo, o meu corpo regateia à consciência mais um pedaço de sono, e ouço já o trabalhar do sacho ganhando a luta contra as ervas daninhas ou o estalar da videira à tesoura da poda. A luz escorre pelas frinchas da persiana e já a água brota dos aspersores sobre o campo de milho. Abro a janela e a courela, ainda ontem a monte, lavrada está.


O meu vizinho, ainda não o disse, tem oitenta anos, e talvez mais alguns ainda. Fico impressionado com a vontade e a energia que tem para se levantar todos os dias para os trabalhos do campo (necessidade não tem). Fico admirado com a vitalidade de como é capaz de pegar cedo na enxada e fazer-se à jorna. Eu, nos trintas e emprego de costas direitas, gostaria de o conseguir também. Tenho de lhe perguntar como faz.










(Imagem retirada daqui.)

10 comentários:

Luís Maia disse...

Isso da batata é um veneno para os rins

Anónimo disse...

Só de faxinar a casa já me canso!Quanto mais na lida da terra! Mas para quem tudo assiste, não deixa de ser um espetáculo e, quem sabe, até um estímulo. ;)

beijocas

R. disse...

@Luís Maia:

Entenda-se que eu não queria ir cavar batatas. Queria era ter aquela força de vontade. :)

R.

R. disse...

@Mirian Martin:

Será que vontade se pega? :)

R.

Teresa Santos disse...

Sabes, Gatito, faz-me um dó imenso, um dó sem nome, olhar para muitos jovens - seja qual for a tarefa a desempenhar - e vê-los a "arrastarem-se", sem força anímica, sem chama, sem entusiasmo, sem uma pontinha de gosto pelo que fazem. Desses sim, tenho pena.
Que bom seria, que felizes ficariam se tivessem essa capacidade de GOSTAR, de se empenharem, de se entregarem ao trabalho porque, não tenhas dúvida, é disso mesmo que se trata, de uma entrega, uma forma de amor - o amor pela terra - que faz essas pessoas manterem-se vivas, activas, dinâmicas.
Abraço.

saltapocinhas disse...

Esses terrenos e esses trabalhos é que dão vida a essas pessoas.
Se pegassem nesse homem e o pusessem a viver num apartamento definhava e morria num instante, nem duvides.
Quanto a ti, se calhar era o contrário ;)

R. disse...

@TERESA SANTOS:

É sim, sem dúvida. A entrega a uma actividade com prazer faz toda a diferença. E é isso que busco e preciso agora. :)

R.

R. disse...

@Saltapocinhas:

É que não tenho dúvida nenhuma! :)

R.

Anónimo disse...

Eu também fico impressionada com a disposição que a geração dos meus avós tem. Meu vô acordada todo dia, 5h da madrugada e ficava fazendo mil coisas sem precisar...
Acho que alguns valores estão se perdendo com a "evolução" do mundo...

R. disse...

@Erika:

Ou nós é que estamos mal habituadinhos... :)

R.