Munique.
Pela primeira vez deslocava-se ao estrangeiro em trabalho.
Pela primeira vez tinha de fazer uma apresentação pública do seu trabalho perante os pares.
Pela primeira vez tinha de tomar a palavra em inglês e falar perante uma audiência.
E era já amanhã. A última apresentação do último dia do simpósio.
Apesar das quatro estrelas do hotel na elegante
Leopoldstrasse, os dedos do desconforto teimavam em não lhe dar paz dentro daquele quarto. Apresentação mais do que revista e descurso ensaiado, só lhe faltava uma boa noite de sono. E sono não tinha.
Suspirou. Sentou-se na margem da cama, sobre a coberta florida de tons escuros e ligou a TV. Não lhe interessava a programação, não dominava uma palavra da língua. O aparelho cinzentão e quadrado cingia-se à vontade de uma máquina de passar o tempo na esperança que o cansaço se sobrepusesse aos nervos.
-- Os programas idiotas do costume...
Passava naquele momento um concurso apalermado para onde os telespectadores deveriam ligar respondendo a uma pergunta básica e assim ganhar alguma coisa. Conseguiu entender uma questão sobre a origem das batatas fritas (os alemães tinham feito o favor de adoptar o francês
pommes frites).
Captou um ponto de interesse. Dado o jaez do programa, o número de telefone para onde os telespectadores deveriam ligar era repetido vezes sem fim, com o número escrito em letras amarelas e gigantes no ecrã, brilhando algarismo por algarismo em sincronia com a voz do apresentador que, lentamente e com boa dicção, os ia ditando.
Começou a repetir o número de telefone em simultâneo com o apresentador:
-- 942 536 536 - repetia -
Neun vier zwei, füenf drei sechs, füenf drei sechs.
Mais uma pergunta, mais uma vez o número de telefone.
--
Neun vier zwei, füenf drei sechs, füenf drei sechs.
Teve a sensação de estar a assistir a um sucedâneo do
Follow me!, programa de ensino de inglês que passava na TV depois da tele-escola quando era garoto, onde um senhor de aspecto muito
british, impecavelmente vestido dentro de um fato cinzento e chapéu de côco aparecia no genérico subindo as escadas do
Underground londrino.
--
Neun vier zwei, füenf drei sechs, füenf drei sechs.
Este improviso de aula de alemão rapidamente esgotou o seu interesse por amputado de alguns algarismos. O que era feito do um, do sete, do oito ou do zero?
Enfadado, premiu o botão do telecomando. No pantalha seguiam-se agora em catadupa anúncios de linhas eróticas, onde mulheres despidas em poses lânguidas ofereciam dois dedos de conversa ao telefone pago a tarifas absurdas.
-- Boa! - exclamou - Mais números de telefone!
E foi assim, entre olhos de carneirinho mal morto e vozinhas arrastadas que o Gato acabou por aprender também
eins,
sieben,
acht e
null.
A apresentação no dia seguinte foi OK, já que perguntam.
Auf Wiedersehen.