terça-feira, 25 de agosto de 2009

Amanhã



O despertador tocou, materializando no quarto o som de uma rádio local. Pela frincha dos olhos sonolentos viu as horas enquanto estendia o braço para calar o aparelho por uns minutos: eram 6h15. A janela dava testemunho que, lá fora, a escuridão ainda reinava nesta manhã fria de Outono.

Devagarinho, volveu-se para junto da sua mulher que dormia a seu lado, de costas para si, enconchando-a no seu corpo com cuidado. Sentia o calor das costas dela contra o seu peito, das coxas dela contra as suas, cadenciou a sua respiração pela da mulher. Pousou-lhe um beijo inaudível no ombro coberto pelo pijama e disse-lhe em sotto voce:

-- Já são horas.

Um ligeiro estremecimento deu-lhe a entender que ela o tinha percebido. Ele fez-lhe uma festa no braço direito, deixando depois a mão escorregar até encontrar a mão dela que apertou com suavidade. Ali se deixou estar mais uns minutos, no calor dos cobertores, envolvendo-a neste abraço.


O despertador, esse, não estava para tréguas ou mimos e, ao cabo de uns poucos e contados minutos de sossego, repetiu o seu apelo.


-- Tens que levantar, Formiguinha - murmurou, acompanhando as palavras com algumas palmadinhas na perna, leves e rápidas.


Ela inspirou fundo e expeliu o ar num suspiro longo, longo como a preguiça que tinha, longo como a vontade de dormir mais um pouco. Ergueu-se, porém, desembaraçando-se dele num repente e dirigindo-se para o interior da casa escura.


Ele ali ficou mais um pouco, protelando enfrentar aquele dia húmido de Outubro. A mulher entrava cedo ao trabalho, e ao volante ainda tomava uma hora bem medida de caminho. Nesse aspecto ele tinha bem mais sorte, pensou.


Todavia, levantou-se ao ouvir os fios de água caindo abundantemente na banheira de esmalte branco. Era a sua deixa de todos os dias, o seu outro despertador. Estava frio. Guardou as almofadas e num ápice fez a cama ainda há pouco ocupada.


-- Até ao meio-dia não deve ter tempo de comer mais nada... - calculou, aviando um bom pão com queijo e duas canecas de leite com café.


O esquentador silvava pela queima constante do gás. Conhecia bem como ela gostava do duche longo e de água bem quente. Estava a fazer-se tarde, porém. Passado uns minutos finalmente a água calou-se nos canos. Já não se deve demorar muito, estimou, e, com efeito, ela chegou pouco depois à cozinha com uns jeans e a camisola fofa e azul que tinha recebido no último aniversário.


-- Estou atrasada! Não tenho tempo!, não tenho tempo! - exclamou, tentando sorver o leite com café em golos largos.


-- Tem cuidado na estrada... - entregando-lhe o pão já embrulhado num guardanapo que a mulher guardou na mala dos papéis.


Tentou despedir-se da mulher com um breve abraço. Com ligeireza, ela evitou os seus braços, despedindo-se com um fugaz beijo na face e saindo velozmente pela porta sem olhar para trás.


Pegou na caneca aos quadrados e levou-a aos lábios, bebendo lentamente o leite com café ainda morno, fixando no olhar o dia que raiava pela janela.


-- Amanhã será um novo dia e talvez, quem sabe!, talvez seja diferente...
Imagem retirada daqui.

4 comentários:

Anónimo disse...

Talvez... Mas neste compasso tudo indica um solo mais à frente.

beijinhos

R. disse...

@A Senhora:

O ouvido bem treinado vai deixando adivinhar o futuro, sim. :)

Beijinho,

R.

Anónimo disse...

Nossa, acrodar assim é bom demais... Parece até um ritual. =)

R. disse...

@Erika Freitas:

É muito bom, sim... mas para qual deles? ;)

R.