sábado, 6 de junho de 2009

Sem dizer palavra

Nessa noite ficaste sentada à minha frente. Nessa noite, sem dizeres palavra, fizeste de mim um homem melhor.

Eram dias que corriam leves em perenes ondas de descoberta de vida nova, uma cidade diferente e todo um mundo de experiências por conquistar. Muitos laços se romperam então, muitos mais se começaram a unir. Guardei o teu, para meu grande contentamento.

Era já tarde, um tarde-cedo de Inverno que anoitece sempre depressa demais. Sentámo-nos na mesa corrida que os restaurantes modestos dispoem em derredor para acolher os jantares de estudantes.Tentava-se quebrar o gelo, compunham-se conversas que rapidamente desmoronavam. Enquanto as travessas não alcançavam as toalhas quadradas de papel, os copos iam tilintando já. Dava jeito. Entretinham-se as mãos, ganhava-se tempo entre dois goles em busca do assunto que alimentasse a fala por mais trinta segundos. E inibição ia escorrendo também.

A refeição veio na esteira natural deste prelúdio. Servida em abundância e melhor regada, o que não surpreende. Conversávamos os dois e os demais à nossa volta. A voz subia de tom, trocavam-se chistes de canto a canto da sala. As palavras jorravam com mais facilidade na proporção das garrafas vazias. E os ponteiros foram correndo num tic-tac sem muito mais história.

Ao fim, tão céleres como o esvaziar dos copos, já as palavras me fluíam em graças fáceis e nem sempre edificantes. Depois de uma particularmente despropositada, dei com os teus olhos fixos em mim. Neles li a tua desaprovação. Neles estava estampado o teu desapontamento sobre aquilo que de mim não esperavas. Calada, e sem um gesto, desferiste-me um violento murro no estômago. E eu compreendi.

Nesse momento acabou-se o ataque de parvoeira. Cobri-me de vergonha. Por entre a visão tonta e os reflexos pastosos ganhei forças para me jurar:

"--Nunca mais!"

E assim foi.

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