domingo, 20 de setembro de 2009

Abraço




Marta fechou os olhos e abraçou-o. Longamente, com firmeza, num gesto há muito ansiado, tão ansiado que os seus olhos se marejaram em lágrimas. Sentiu os braços que a envolviam calorosamente, o afago terno da mão dele no seu cabelo, a respiração lenta e pausada de Sérgio contra o seu corpo. Do seu peito sentia emanar um afecto imenso, espesso, que envolvia ambos na vertigem do momento. E sorriu. Sorriu mordendo o lábio, sorriu no calor que a inundava, sorriu na onda de vida que a percorria de alto a baixo.

Expirou lentamente e por fim abriu os olhos. Marta constatou que estava só. Estivera só o tempo todo. Os braços que ainda a envolviam eram os seus, cruzados sobre o peito, mão direita sobre o ombro esquerdo. O afago, quando muito, seria compaixão da brisa que soprava ao entardecer no miradouro sobre a cidade. E engoliu. Engoliu em seco, na saudade do momento.

-- Não se pode dizer que se perdeu aquilo que de facto não se teve - pensou, sabendo que o coração lhe gritava que era mentira.

Apaixonara-se, estava bem de ver. Devagar, bem devagar. À vigésima primeira vista talvez, mas amor à primeira vista sabia que não era consigo. Era exigente, sabia-o bem. Exigia a alma, o sentimento e as ideias em primeiro lugar. Só depois o barro e as sombras. E isso demorava tempo, muito tempo. Tempo para conhecer, tempo para apreciar, tempo para pesar. E, nesse tempo todo, a paixão insinuava-se, devagarinho, pé ante pé, apesar de ser da casa e já conhecer os corredores. Quando se dava por isso, estava já instalada no canapé do ventrículo esquerdo. E mandava, num torvelinho de pensamentos desatinados.

Como se abraça uma alma? Como se afaga um imo? Marta não sabia a resposta, embora desejasse ardentemente fazê-lo, tal como desejava falar com Sérgio quando depois do "Olá" mais nenhuma palavra conseguia atravessar o nó na garganta.



Imagem retirada daqui.

13 comentários:

Anónimo disse...

Hoje alguém me perguntou se o ditado "onde começa a amizade acaba a paixão" seria verdadeiro.

Boa questão para a Marta... ;)

beijinhos

R. disse...

@A Senhora:

Citação:
"onde começa a amizade acaba a paixão"

Quer-me bem parecer que a Marta não quer a última sem a primeira.

R.

mfc disse...

Um pequeno conto que nos indica que entre o sonho e a irrealidade... vai um pequeníssimo passo!

R. disse...

@mfc:

E há irrealidades mais sentidas do que outras. ;)

R.

Daniel C.da Silva disse...

Há estórias que valem por si. Esta é uma dessas estórias.

aquele abraço

R. disse...

@Daniel:

Será que vale por si mesma, esta história? Está tão incompleta ainda... :)

Abraço,

R.

Mente Quase Perigosa disse...

Não está incompleta. Está apenas a começar...

Mente Quase Perigosa disse...

(gostei do cantinho)

R. disse...

@Mente Quase Perigosa:

Ou está a começar, ou é recorrente.
Volta sempre que quiseres. :)

R.

Gonçalo disse...

R.? Se calhar foste tu :)

R. disse...

@Gonçalo:

Mas... se calhar fui eu o quê? :)

R.

Daniel C.da Silva disse...

Nao sei se está incompleta, nao sei sequer se é uma estória, já que foi nesse sentido que disse que valia por si, mas se for uma história talvez a coisa seja diferente... ;)

abraço

R. disse...

@Daniel:

Se se pretende fazer uma clivagem entre "estória" e "história" usando a primeira como um pedaço de ficção, então é estória sim. Um retalho de pensamento. :)

Abraço,

R.