Apaixonei-me por uma árvore. Mais uma. Tenho um fraco por plátanos, admiração pelos áceres, e agora uma estranha paixão por bétulas. Se vos causa estranheza estes amores vegetais, a mim não me causa menos. Nunca liguei muito a estas coisas: árvore era árvore, arbusto era arbusto e pássaro era pássaro, sem precisar de designação menos lata. E agora dou por mim de nariz empinado, pelas ruas e parques, querendo saber qual o nome desta árvore, e desta e daquela outra, observando as manchas dos troncos, o formato das copas, os pormenores das folhas. É uma mudança.
Uma pequena mudança, por si só irrelevante até. O estranho é o avolumar de mudanças que vou notando em mim nos últimos meses.
Nunca achei grande graça ao desporto, talvez pela minha grande inépcia (ou será ao contrário?). Ontem peguei em mim, pela primeira vez desde que me conheço, e fui correr depois do trabalho. Correr por correr. Correr pelo gosto de correr. Correr para me sentir vivo correndo. Correr aspirando a maresia, correr admirando a imensidão do mar, correr sentido os salpicos de sal na face. Um feito pessoal, não obviamente pela distância, mas pela atitude. Tenho desafiado os amigos para jogar à bola e ao disco. Tudo isso com a inépcia de sempre, tudo com uma vontade que surge não sei de onde e é nova para mim.
Artes. Artes, eu?!? Eu sempre olhei de soslaio e com desconfiança para isso. Fascinado e dedicado desde cedo à Física e à Matemática, em sólidas teorias e sem lugar a devaneios de opinião pessoal, fiz disso estudo com notável sucesso e depois profissão. Pois agora prego partidas a mim mesmo, conseguindo ficar extático perante um quadro, escrutinando os detalhes, tentando apreender e enquadrar a corrente estilística, admirando as sensações que desperta. Visito museus. Procuro pontes entre artistas, características das épocas e estilos. E até rabisco em folhas de papel de vez em quando. Olho para os prédios, monumentos, igrejas, catedrais. Procuro entendê-los, busco os estilos, preciso de saber a sua história, sigo-lhes os traços, tento datá-los, perco-me nos detalhes da cantaria, fascinam-me os azulejos.
Leio. Muito. Ainda mais do que antes. Leio com cuidado. Releio parágrafos inteiros pelo simples saborear de passagens que gostei, prazenteiro, devagar ou depressa, ao ritmo que me apraz. Miro as frases, admiro as palavras, aprovo a escolha de um verbo ou um adjectivo se me parece que era mesmo aquele que ali fazia falta. Saio correndo por um dicionário que me explique ao certo aquilo que não entendo. Interpreto. Reinterpreto. Procuro sentidos. Leio. Escrevo. Mensagens no blog. Pensamentos. Contos. Devaneios. Passo as ideias a letra de forma, escolho os vocábulos, procuro as metáforas, miro as linhas ao longe e ao perto, apago, corrijo, reescrevo até ficar satisfeito. Eu!, eu que há muito só escrevia relatórios, e-mails e listas de supermercado.
Música. “Ah!, mas isso tu aprendeste e tudo...”. Sim. A chicote. Mau aluno, pouco interessado, estudioso ainda menos. Foi preciso deixar o estudo e deixar passar alguns anos para fazer as pazes com as colcheias. Descobrir novos tons, novas sensações, ir-me libertando do academismo repetitivo das lições, arriscar em tocar notas estranhas e dissonantes até que as harmonias foram surgindo debaixo dos dedos.
Mudanças. Quase nem me conheço. Agradam-me, e gostava de saber de onde vêm e porquê. Podem ficar. E, se não for pedir muito, que regresse também a vontade de trabalhar, já que telas, prédios, livros, bola e fadinhos são bons mas o meu ganha-pão anda descurado e precisa de atenção.
6 comentários:
Ah, então é o retrato atual do gato? Enroscando-se nas árvores, andando sobre o teclado, correndo atrás da bola... Mas, enfim, todo gato faz isso!
Vai ver está aprendendo a ser gato de verdade! ;)
beijocas
@A Senhora:
Haja quem torne as coisas complicadas simples! :)
Beijinho,
R.
Eu diria que agora é que tu estás a começar a descobrir-Te. Fora os laços que nos constrangem, o politicamente correcto, o que tem de ser feito porque sim, há um 'eu' que às vezes demora a pôr o nariz de fora, mas quando o faz é tão bom...
Aproveita que sabe muito bem descobrirmo-nos. E o trabalho vai-se fazendo. Não stresses, que ele vai-se fazendo...
:)
@mf:
Pois, quem sabe onde isto andou tanto tempo? Estranha ânsia de tentar recuperar o tempo perdido, talvez...
Como detalhe, gostei do pronome reflexo com letra maiúscula. ;)
Beijo,
R.
Maiúscula porque te encontro virado para o mais genuíno que há em ti. :)
@mf:
Fiquei sem palavras. És uma querida. :)
R.
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